domingo, 26 de abril de 2009

Vila Flor - Huambo - Angola

Vila Flôr
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Está a se tornar cada vez mais dificil fotografar hoje em dia.
Nos cenários urbanos as pessoas são desconfiadas, arredias, vêem a fotografia e o fotógrafo como um invasor, como algo mal. Nos bairros dos países mais pobres, por outro lado, enxergam na pessoa com a camera, a oportunidade de ganhar um dinheirinho. É jornalista e deve ganhar muito com estas fotos, argumentam. Se fosse pagar por cada foto que faço, deixava de as fazer.
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Gosto de fotografar pessoas, fotografar a vida e não a morte.
Estive recentemente em Angola, primeiro em Luanda, onde sacar de uma camera no centro da cidade pode ser motivo legítimo para ficar sem ela, nem só pela ação de marginais, mas também por repressão da lei. É proibido fotografar em Angola, a não ser que se esteja devidamente autorizado e por motivos justificáveis. A fotografia mete medo, é uma arma.
Porém isto nem sempre foi assim, são sinais do tempo que vivemos, de desconfianças e medos gerados pela mídia, medo de pedófilos, de sequestradores, ladrões e do uso abusivo e indevido da imagem alheia.
Ao contrário dos fotógrafos que procuram registros mais impactantes, normalmente marcados pela violência e pelas injustiças sociais, volto o meu olhar para motivos mais amenos, sinto-me incapaz de registrar cenas de violência.

Podem pensar que esta minha visão, apesar de ser também documental, não representa a realidade, mesmo porque o cenário de minhas melhores fotos geralmente são em África e regiões mais pobres do Brasil, onde a alegria e a serenidade demonstrada no momento do clic, não condizem nada com o background de miséria. Mas, o que vejo através da lente é também a realidade, pelo menos a daquele instante.

Aprendi, depois de uma infância e adolescência perfeitamente ingênuas e fantasiosas no Brasil - sequer tinha noção de que vivia em uma ditadura - que a realidade afinal podia ser também muito má, bastava abrir os jornais para ver as barbaridades de que somos capazes.

Descobri então, um pouco tardiamente, que o mundo não é uma eterna brincadeira e, os revolveres que no coldre do Roy Rogers lhe acentavam tão bem, são de pólvora seca e matavam a fingir, os outros, ao contrário, que andam em mãos erradas, matam de verdade e é pra sempre.

Nunca sofri uma violência direta, sou um priveligiado reconheço, e com o passar dos anos aprendi outra coisa importante, afinal a vida não é só a violência e miséria estampadas nos jornais sensacionalistas.

Mesmo que não sejamos capazes de mudar o mundo como gostariamos, sinto necessidade de preencher-me com estas visões mais otimistas, não como uma fuga a realidade, é impossível estar-se alheio a ela, antes como uma necessidade do espirito em cultivar boas emoções e retratá-las, e como prêmio me foi dado conhecer o Huambo, mais precisamente o Município da Ecunha no sul de Angola, a seiscentos quilometros da caótica Luanda, um destes paraísos para os fotógrafos que buscam sorrisos, sorrisos sinceros sem dúvida!

Amigo, foto. Ya… Olha eu aqui também…






















Ecunha foi batizado pelos portugueses nos tempos coloniais, como Vila Flôr, isto derivado do fato de ser uma zona onde se produzia muita batata e, na época de floração, os campos ficavam cobertos das flores brancas e azuis das plantas de batata. Por esta razão era também conhecida na Angola colonial com a "Rainha da batata". O clima é tropical de altitude, temperado quente, com uma temperatura média anual de cerca de 19ºC, cerca de 12ºC de mínima e máxima de 26ºC. o que permite a exploração agrícola da terra durante todo o ano.


Entretanto vieram as guerras e tudo ficou do avesso. Foram anos de sofrimento e luta, mas, com a paz finalmente assente, o sorriso fácil voltou ao rosto desta gente amiga. Hoje, os forasteiros são recebidos com um misto de curiosidade e simpatia desconcertante, principalmente no interior e nas aldeias de mais difícil acesso. Respondem com vénias ao aceno dado. Obrigado, dizem eles, obrigado, enquanto se afastam sempre a sorrir. Todos querem ser retratados e as poses se sucedem a cada passo, ora mais sérias e controladas entre os adultos, ou a criar cenas de lutas bem humuradas como é próprio dos meninos. As meninas, mais recatadas, esboçam sorrisos tímidos mas não deixam passar a oportunidade de se verem retratadas, nem que seja apenas por um momento, no visor da camera digital. É uma festa e uma alegria espontânea da qual não se pode negar.












As cores berrantes de seus trajes em contraste com a pele bem negra, os sorrisos largos, a postura cordial e genuína do povo que já só se encontram nestes locais longíncuos, dizem mais do que qualquer palavra que possa ser dita e fotos que possam ser tiradas. Estas são algumas das muitas fotografias que fiz nos intervalos das filmagens, que foi o que realmente fui fazer por aquelas paragens e, onde senti-me perfeitamente em casa, a ponto de tirar os sapatos e andar com os pés descalços como a muito não o fazia.

As fotos foram realizadas abril de 2009, para o IMVF uma ONG portuguesa, que com o apoio da Comunidade Européia, IPAD e outros parceiros mantém projetos de desenvolvimento nos países de lingua portuguesa, como Angola, Guiné Bissau, Cabo Verde, Brasil, Timor e São Tomé e Principe. Este acompanhamento que fiz, resultou nestas e outras fotografias e também em um vídeo sobre a Cooperativa da Ecunha em Angola.

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1 comentário:

TERRAS DE NENHÚ disse...

Concordo, a violência não é um "espetáculo" (ou melhor, não deveria ser) e apresentá-la ao mundo deveria causar uma reação igual e contrária...
Mas, embotados e anestesiados, olhamos e não vemos.
Em suas fotos aparece um "humano" real: aquele que vai adiante encontrando motivos para sorrir e alegria para viver, mesmo em condições tão adversas.
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